quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Asdrubal, o da Enxada.

O Asdrúbal era um bicho. Mais concretamente, um homem, que vivia na aldeia de Enxada-àbaixo. O Asdrúbal era carpinteiro, ferreiro e carroceiro. Curiosamente, as carroças são feitas de madeira e ferro. No entanto, dado o seu estrabismo, todas as carroças do Asdrúbal tinham rodas ovais. Precisava também, obviamente, da burra da sogra, que lhe dava a loja para guardar a carroça, e da mula da tia Gestrudes, que tinha dois potros que puxavam a carroça.
O Asdrúbal vivia numa moradia e era um bom pai de família, com 7 catraios e catraias, bigode, e barriga de tinto. (Desculpem a redondância, a da barriga isto é.) Tinha uma mulher, a Arlinda, que era boa cozinheira, lavadeira, e parideira, e pouco mais dela o Asdrúbal sabia, porque também pouco mais lhe interessava.
Ao lado d'Enxada-àbaixo, ficava Enxada-àcima, e ,chegado Agosto, era altura da romaria anual nas duas Enxadas. Ora, como em quaisquer aldeias vizinhas que se prezem, os Enxadenses de baixo não gostavam dos Enxadenses de cima, e vice-versa. Acontece que a Arlinda, mulher do Asdrúbal, era de Enxada-àcima, mas isso não fazia diferença nenhuma, pois sendo a sogra do Asdrúbal de Enxada-àcima, mais um motivo para não gostar. De há um tempo para cá, a noite do arraial nas duas aldeias (que, por tradição e adoração ao mesmo santo, era no mesmo dia.) consistia não em ver quem tinha o melhor fogo, mas quem sabotava mais e melhor. Ora o Asdrúbal era o maior da sua aldeia, e portanto, ficou encarregue ele de toda a sabotagem.
Aconteceu que, nessa dita noite, o catraio mais velho do Asdrúbal, o Zé, fazia os seus 18 anos, pelo que o Asdrúbal foi pagar uns copos à mocidade, e a ele mesmo.
Mas, bêbado ou não, o Asdrúbal e os seus compinchas eram homens de palavra e lá foram ao dever, na sua carroça, aos solavancos, que ritmadamente acompanhavam os soluços do tinto da tasca do tio António. Desmontaram o que ia ser o arraial de Enxada-àcima e empacotaram tudo para a carroça do Asdrúbal. Pela estrada, à volta, encontraram também a malta d'Enxada-àcima com o arraial dos rivais.
Saltou tudo das carroças e resolveram o problema da melhor maneira que sabiam: à porrada. Felizmente, tanto uns como os outros estavam bebidos e em vez de ser enxada acima, enxada abaixo, enxada na cabeça, enxada nos rins, nem se acertavam e pareciam estar a fazer uma dança qualquer ridícula de capoeira (simplesmente pareciam galinhas). Acidentalmente, começou tudo a acender o fogo-de-artifício, e, numa clareira no meio do mato, lá se fez o arraial.
Foi o mais bonito de que as gentes das duas aldeias se lembram, e, com o coração mole e tocado daquilo tudo, ou simplesmente com a bebedeira, acabaram as duas aldeias por fazer o bailarico junto confraternizando e rindo como irmãos (ou irmões).
No dia seguinte andaram à batatada, cebolada, nabiçada, etc. Tudo voltara ao normal.

3 comentários:

Rita disse...

esta é a história da minha vida...

Gabriela Lacerda disse...

Está muito giro, gostei dos jogos de palavras! Parabéns ;)
Beijinhos

Ana Luísa Pereira disse...

Isto lembra-me, verdadeiramente, os contos de Miguel Torga, no Novos Contos da Montanha. É um prosa muito bonita, a de Miguel - vamos lá agora descobrir que Miguel...