quarta-feira, 30 de junho de 2010

paradoxos polares

Tudo o que vejo é tudo quanto há.
Se existe mundo para além de mim então eu não existo.
A minha não existência exterior não pode co-existir com a minha existência.
Eu sou o que crio e nada do que crio é criado por mim. Como um todo sou a soma das minhas partes e as minhas partes não me pertencem, apenas existo enquanto combinação única de partes partilhadas, estou longe de ter alguma coisa de único, estou ainda mais longe de não o ser.
Eu sou muitos e eles não se dão bem, pelas manifestações bélicas comunico, exibindo bem alto os estandartes de um super-ego que está mais que consumido pela peste, pela fome e pela doença, a apodrecer algures numa trincheira enlameada à espera que a gangrena o mande para casa. Manifesto o ódio como forma auto-presumida de superioridade como se de facto a antítese à miséria salvasse da miséria em si. A única salvação da miséria e relidade é não estar ciente de que esta existe, assim que se percepciona miséria, é-se miséria. Assim, a suprema elevação moral num pedestal de puritanismo apenas acelera o processo hipócrita de corrupção desse inner-sanctum mesclado dum dualismo qualquer blasfemo. Afinal a existência de um anti é por si só deplorável e no entanto, tudo encontra emparelhamento espelhado numa simetria abismalmente transversal à existência perspectivada. Se tudo se equilibra entre polos não vejo porque a moral e a ética se devem suportar apenas num. Se o humano não é bom por natureza não vejo porque devemos contrariar tais manifestações do mal. Deveria-se codificar e regulamentar o mal como regulamentamos o bem. Criar-se-ia uma oposição polar deveras fascinante, entre duas anarquias e duas oligarquias, umas do bem e outras do mal. Oligarquia é submissão e submissão é correcto, liberdade é errado, anarquia é liberdade, anarquia é errado. Suprimir desejos de liberdade e manifestações de natureza má causa distúrbios psicológicos. As pessoas são perturbadas. Os loucos são vítimas da inocência de submissão ao moralismo, e por essa vitimização são presas naquilo que se torna a única forma autêntica de liberdade. Mate-se e viva-se, odeie-se e ame-se, pois a isolação de apenas um implica o anulamento de ambos.

2 comentários:

Ana Luísa Pereira disse...

Para ti, A Náusea, de Sartre. Ou A Insustentável Leveza do Ser, Kundera. Julgo mesmo, se me permites, que um qualquer Camus também te assentaria muito bem.

Olha, rapaz, deixemo-nos de rodeios: tu és portador de uma eloquência de louvar.

Gabriela Lacerda disse...

A moral e ética não podem depender de pólos, não podem gravitar entre dois imans, não podem balançar na corda bamba. Isso agitaria a nossa loucura ainda pré-determinada.
Gosto do que escreves.
:) um beijo.