quarta-feira, 3 de março de 2010

A ratazana

Um grito ou um urro qualquer gutural ressoa, húmido, nojento e asqueroso, como que vindo dum cano de esgoto, ritmado pelo bater das pingas e o ruído das ratazanas, esses bichos curiosos, filhos do infortúnio, que nada fizeram senão dar-se gratas por ter tudo do que é reles, nojento, putrefacto e comestível. E nesses guinchos de ódio milenar ganham o fervor e a vontade de vingar já nem sabem o quê. Não querem saber, não devem saber, não podem saber. Não podem saber que são a praga, para que possam ser a praga. Têm de marchar, como hostes enfurecidas e desvairadas de canibalismo amontoado da mais nojenta perversão e atacar. Atacar, consumir, regurgitar, defecar, infectar e violar tudo quanto lhes apareça pela frente.

No subsolo, na base e na cave escura de uma qualquer coisa funcional vive sempre uma outra coisa desenfreadamente disfuncional e irracional, que se alimenta de tudo quanto é despejado, recalcado e excretado pelos outros, os outros belos, os outros sublimes, os outros que de nada escumalha têm, pois deitam a essa escumalha que repisam toda a sua escumalhisse bruta e deslavada. E por baixo dessa escumalha, há uma outra escumalha mais escumalhosa, e por debaixo dessa, uma outra, e assim por diante. Essa bela humanidade há de ser consumida pelos abutres da sua própria natureza, e os abutres pelos ratos, os ratos pelos vermes, os vermes por mais vermes, e esses por fungos e demais coisas macabras e nojentas. A beleza e a funcionalidade organizacional sustentam-se no equilíbrio, mas os demais que que equilibram a pirâmide no seu vértice hão de tombar, e tudo se desmoronará, deixando nada mas a ralé e a escumalha de sobra, a que vive das sombras, da ruína e do cadáver.

1 comentário:

Santyago disse...

Epá, adorei o post. Aquilo tem uma escrita putrefacta da coisa, até lança um fedor do que se pensa de como é a humanidade. Os meus parabéns ao autor por mais uma brilhante análise.