sábado, 5 de setembro de 2009

III - A Aurora da Civilização

"In the beginning the Earth was without form and void. But the sun shone upon the sleeping Earth, and deep inside the brittle crust, massive forces waited beyond reach."[1]

No princípio, a Terra estava coberta pelas trevas e era um ermo vazio, disforme e sem vida. Aos poucos a luz conquistou as trevas, e com ela veio a vida e toda a criação. O sol raiou para a vida. Do horizonte veio o conforto da luz e o falso firmamento entre terra e céu. Para uns este horizonte prolongava o vazio até à imensidão, para outros, punha fim ao mesmo vazio e limitava-nos a um universo caseiro e confortavelmente egocêntrico.

O homem era um bicho estúpido, amedrontado, como todos os animais, mas aquele macacão corcunda e peludo tinha algo mais, aquilo a que meia dúzia de gregos pomposos chamaram de racionalidade. Antropocentrismo. O bicharoco começou a achar-se digno de mais, a procurar mais, ir além do firmamento. Decidiu pois então que, em vez de se subjugar às leis da então tão harmoniosa natureza, devia ser ele a subjugar a natureza e toda a criação as seus pés. Começou a servir-se daquilo que estava à sua mercê: paus, ossos, calhaus, frutos, caça. Talvez tenha sido ousadia, talvez um lampejo de brilhantismo, talvez estivesse escrito, talvez tenha sido iluminação divina... mas o que é certo é que este Homem começou a ser Homem. O ser corcunda ergueu o queixo e venceu os medos. Apercebeu-se de que podia amedrontar outros. Apercebeu-se que tinha poder, e isso soube-lhe bem como o raio. E assim que terminou de subjugar a natureza, quando já tinha o seu império pronto a descolar, lembrou-se de começar a subjugar os seus. Começámos a andar à porrada, e descobrimos que isso servia para tudo. Começou o ciclo de ganância e auto-destruição da humanidade, ainda que numa fase primitiva. Mas também havia coisas boas, havia os marmanjos que não andavam à porrada e passavam o dia a olhar para o ar. Filósofos, cientistas, chamem-lhe o que quiserem, mas eram os que andavam sempre no firmamento, a mirar o horizonte e a querer engrandecer a espécie, afinal, conhecimento é poder, e poder é fixe. Mas, mais uma vez, temos tanto de egocêntricos como de auto-destrutivos, é uma faca de dois gumes. À medida que explorávamos o horizonte, este expandia-se ainda mais, quanto mais procuramos saber, mais nos apercebemos da nossa pequenez e ignorância. O vazio começou assim a atormentar-nos, ou pelo menos a atormentar meia dúzia de cabeças pensantes e sadísticas. Mas, no meio disto tudo, há e sempre houve as massas. Enormes grupos de indivíduos tão desprezíveis que insistimos em tratá-los como um só movimento fluído. Devíamos dar-lhes mais valor, um grupo de cabeças sintonizadas na mesma formatação também devia ser considerada uma maravilha da natureza. As massas são uma máquina de guerra cultural massissa. Com a devida formatação podem aniquilar uma cultura, uma raça, uma religião, sem que sintam remorsos ou a mínima percepção de consciência. E é assim que a humanidade se rege, pelo poder das massas, sobre as massas. A essência do humano está em subjugar o próximo, em matá-lo, em amá-lo.

"Every human being not going to the extreme limit is the servant or the enemy of man and the accomplice of a nameless obscenity" [2]

[1] Livro do Génesis
[2] in "A Chore for the Lost" by deathspell omega

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